"A escola deve se articular com a natureza diretamente", diz Leonardo Boff
O teólogo Leonardo Boff foi o principal conferencista em uma mesa de debates sobre a Carta da Terra, no dia 22, no último dia do Fórum Mundial de Educação em Porto Alegre. Boff falou sobre os princípios que regem a carta, que deveria ter sido um dos documentos oficiais da Rio 92, mas sobre o qual não houve consenso. Um grupo continuou trabalhando paralelamente sobre o documento, concluído em 2000.
Em sua conferência, Boff disse que a carta foi baseada em quatro princípios. O primeiro é a idéia de que todos os seres se inter-relacionam na cadeia da vida. O segundo é a filosofia da utopia humana, que aspira a um único mundo governado por todos. Em terceiro lugar, segundo ele, está a globalização, que com todos os seus efeitos maléficos trouxe também benefícios, como as redes de comunicação, as estradas e rodovias que permitem a ligação de todos e a nova utopia global. "Utopia de uma globalização de rosto humano, onde a solidariedade e a cooperação se transformem em projetos políticos, em projetos pessoais." O último princípio seria a idéia do risco que paira sobre o planeta, desde o surgimento das armas de destruição em massa e o princípio de auto-destruição, que possibilita a destruição de toda a biosfera, impossibilitando o projeto planetário humano.
"Então, este é o contexto de onde surge a Carta da Terra. A Carta da Terra é uma resposta, uma expressão desse novo estado de consciência da humanidade. É um alerta em primeiro lugar, é um risco, mas esse risco comporta chances. Onde há risco há também salvação. É página de convocação à humanidade para que ela desperte, inaugure novas práticas e que incorpore valores que tenham como destinação final esta nova mentalidade. O planeta Terra e a humanidade", disse durante a conferência. "A nova questão hoje é: que futuro tem o planeta Terra e que futuro tem a humanidade?"
Após o seu discurso, Boff conversou com jornalistas. Leia a seguir alguns trechos da entrevista coletiva, onde ele fala sobre educação e sobre um processo de mudança para uma nova relação com o ambiente.
Pergunta: O senhor acha que a escola pode ser um veículo, um instrumento para disseminar as idéias que estão na Carta da Terra?
Boff: Eu creio que em dois momentos a escola é fundamental. Primeiro num momento de uma nova consciência, aprendendo os dados sobre a situação da Terra, sobre a natureza, sobre a biodiversidade e sobre a nossa responsabilidade desde pequeninos até o resto da vida sobre a casa comum que é o planeta Terra, as águas, os ecossistemas, os animais, as plantas. E em segundo lugar, a escola deve se articular com a própria natureza diretamente, organizar que os estudantes tenham contato com as plantas, com os animais, conheçam a história e a inter-relação entre todos eles e finalmente sintam o ambiente não como uma coisa exterior, mas como uma coisa que pertence à vida humana. Nós somos parte do ambiente, por isso, ao invés de falar de meio ambiente vamos falar do ambiente inteiro, e sentir que o mesmo destino da natureza é o nosso destino. A partir daí nasce uma consciência de responsabilidade, uma ética do cuidado para que todas as coisas que estão doentes se regenerem e as que estão sadias possam evoluir junto conosco.
Pergunta: Mas a escola está tão desatualizada, desaparelhada, carece de recursos. Não é muito difícil?
Boff: Mas para essa educação ecológica não precisa de nenhum recurso. Basta abrir os olhos, os ouvidos, abrir as mãos, fazer passeios ecológicos, cuidar das águas, das praças, dos animais.
Pergunta: Mas isso não depende também da formação dos professores?
Boff: É, este é um desafio novo, uma nova situação da humanidade, da Terra, obriga a uma nova atitude, um novo conhecimento, novas práticas. Se desejamos preservar essa herança que recebemos ou se deixaremos que ela se degrade a ponto de atingir nossa própria vida, nossa própria casa. Ao chegar a uma situação dessas o ser humano percebe a degradação da qualidade de vida 3e percebe a importância de ter uma relação boa com a natureza, não agressiva e não destruidora com o meio ambiente.
Pergunta: Como se pode mudar a relação das pessoas com o ambiente?
Boff: É preciso ter uma visão mais integral da ecologia, que toma o ambiente natural em que estamos metidos, isto é o ar que respiramos, o chão que pisamos, o alimento que comemos, a água que bebemos, mas também a ecologia social, que vê as relações sociais como agressões ao ser humano. Talvez o ser mais ameaçado hoje não é a baleia, o mico-leão-dourado. É o ser humano pobre, obrigado a morrer antes do tempo, se está doente não pode se tratar, se tem fome não pode comer. Então a ecologia social cuida da justiça ecológica, ou seja, qual é a relação correta para com esse ser complexo que é o ser humano, mas também a ecologia mental, quais são as idéias e categorias que estão em nossa cabeça que nos levam a discriminar, a usar da violência, que nos levam a destruir uma mata, poluir o solo. Se colocarmos outros conteúdos na consciência, mais solidariedade, menos exploração, mais cooperação, menos competição, então o ser humano abre a mente para uma nova atitude. E finalmente uma ecologia integral que vê o ser humano como um elo de uma grande corrente de vida que envolve a Terra e o universo. Então o processo da ecologia é o crescimento para dentro dessa nova sensibilização com tudo o que está à nossa volta e com o que convivemos e não estamos alheios a eles, pois tanto podemos ser anjos bons que protegem, como podemos ser satãs que matam.
Fonte: http://www.rebea.org.br
Colaboração: Carmen Costa
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