Rio - Por que desejar Feliz Ano Novo se há tanta infelicidade à volta? Será feliz o próximo ano para sírios e iraquianos, e os soldados usamericanos sob ordens de um presidente que qualifica de “justas” guerras de ocupações genocidas? Serão felizes as crianças africanas reduzidas a esqueletos de olhos perplexos pela tortura da fome?
O que é felicidade? Segundo Aristóteles, é o bem maior a que todos almejamos. “Mesmo ao praticarmos o mal”, acrescentou meu confrade Tomás de Aquino. De Hitler a Madre Teresa de Calcutá, todos buscam, em tudo o que fazem, a própria felicidade.
Porém, a felicidade não figura nas ofertas do mercado. Não se pode comprá-la, há que conquistá-la. A publicidade empenha-se em nos convencer de que ela resulta da soma de prazeres. Estimulado pela propaganda, nosso desejo exila-se nos objetos de consumo: vestir esta grife, possuir aquele carro, morar neste condomínio de luxo.
Desejar Feliz Ano Novo é esperar que o outro seja feliz. E desejar que também faça os outros felizes. O pecuarista que não banca assistência médico-hospitalar para seus peões e gasta fortunas com veterinários para tratar seu rebanho espera que o próximo tenha também um Feliz Ano Novo?
Na contramão do consumismo, Jung dava razão a São João da Cruz: o desejo busca, sim, a felicidade, “a vida em plenitude” manifestada por Jesus, mas ela não se encontra nos bens finitos ofertados pelo mercado. Como enfatizava o professor Milton Santos, acha-se nos bens infinitos.
Porém, ao mergulhar nas obscuras sendas da vida interior, guiados pela fé e/ou pela meditação, tropeçamos nas próprias emoções, em especial naquelas que traem a nossa razão: somos ofensivos com quem amamos; rudes com quem nos trata com delicadeza; egoístas com que nos é generoso; prepotentes com quem nos acolhe em solícita gratuidade. Se conseguimos mergulhar mais fundo, então nos aproximamos da fonte da felicidade, escondida atrás do ego.
Feliz Ano Novo é, portanto, um voto de busca espiritual. Claro, muitas outras conquistas podem nos dar prazer e alegre sensação de vitória. Mas não são o suficiente para nos fazer felizes. Melhor seria um mundo sem miséria, desigualdade, degradação ambiental, políticos corruptos!
A diferença é que estaremos conscientes de que, para se ter um Feliz Ano Novo, é preciso abraçar um processo ressurrecional: engravidar de si mesmo, virar-se pelo avesso e deixar o pessimismo para dias melhores.
Frei Betto é autor de ‘Um homem chamado Jesus’ (Rocco)
Fonte: O Dia
Colaboração: Eunice Costa
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