sábado, 27 de abril de 2013

PÉROLAS HOMEOPÁTICAS


Frei Beto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da
Mongólia, do  Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos,
recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala
de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados,
ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam.

Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a
companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente.

Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:

'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não tenho aula de manhã'.

Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'.

'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...'

'Que tanta coisa?', perguntei.

'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar
seu programa de garota robotizada.

Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!

Estamos construindo super-homens e super  mulheres, totalmente
equipados, mas emocionalmente  infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis
livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de
ginástica e três livrarias!
Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a
desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos
todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?' - 'Olha, uma
maravilha, não tinha uma celulite!'
Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da
ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu
quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem
nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra!
Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos
virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da
imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e
se  apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de
que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este
refrigerante, vestir este  tênis,  usar esta camisa, comprar este
carro,você chega lá!'

O problema é  que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal
maneira o desejo, que acaba  precisando de um analista. Ou de
remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse
condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se
viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental  três requisitos são
indispensáveis: amizades,  autoestima, ausência de estresse. Há uma
lógica religiosa no consumismo pós-moderno.

Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral;
hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria
dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais
estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso
vestir roupa de  missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação
paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas
calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela
musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas
aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por
belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos
céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito,  entrar no
cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar,
certamente vai se sentir no inferno...

Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na
mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo  hambúrguer do McDonald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas:
'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares
espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de
descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando
vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:... "Estou apenas
observando quanta coisa existe de que não preciso para ser Feliz"!!

Colaboração: Luiza Drubi

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- Kant "Quem não sabe o que busca,  não identifica o que acha." Colaboração: Itazir  de  Freitas