sexta-feira, 30 de setembro de 2016

AS MULHERES APANHAM DE NORTE A SUL DO BRASIL

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Vice-presidente da OAB-DF, Daniela Teixeira defende medidas exemplares contra agressores de mulheres e aponta os desafios enfrentados pelas advogadas

Entrevista - Daniela Teixeira

 

“Enquanto os agressores não forem punidos, a violência não vai diminuir. Eles devem ser punidos, sejam quer for. Seja o marido da vítima, seja o promotor que está abusando de uma vítima em uma audiência, seja um deputado que é réu numa ação já recebida pelo STF”, declarou a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, Daniela Teixeira, referindo-se ao deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), réu no Supremo Tribunal Federal por injúria e apologia ao estupro.
A declaração da brasiliense de 44 anos causou alvoroço no plenário da Câmara dos Deputados. Em meio a uma discussão sobre medidas de enfrentamento da violência contra a mulher no último dia 14, Bolsonaro se indignou ao ser citado. Aos berros e de dedo em riste, foi até a Mesa da Câmara e tentou interromper a sessão, presidida por Maria do Rosário (PT-RS). 
A reação do parlamentar provocou a indignação da OAB. A entidade emitiu uma nota de desagravo em que estendeu a agressão do parlamentar a todas as mulheres advogadas. Teixeira, que cursou Ciências Políticas e Direito na Universidade de Brasília (UnB), saiu acompanhada da Câmara por assessores e parlamentares.
Apesar dos avanços nas legislações dos últimos anos, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, o índice de violência de gênero ainda é epidêmico no Brasil. Dados da Organização Mundial da Saúde colocam o Brasil como o quinto país do mundo em assassinatos de mulheres, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Levantamento realizado pelo Data Senado revelou que uma em cada cinco mulheres já sofreu algum tipo de violência.
“Precisamos educar os nossos jovens: a mulher para não aceitar apanhar, o homem para não bater e as pessoas para denunciar”, afirmou a vice-presidente da OAB-DF. Em entrevista, Teixeira critica propostas de mudanças na Lei Maria da Penha, apontou entraves para o exercício da advocacia pelas mulheres (“30% desistem nos primeiros cinco anos de profissão”) e reafirmou a importância da atuação feminina no mundo do Direito.
CartaCapital: Qual é o principal desafio da Justiça brasileira hoje no enfrentamento à violência contra a mulher?
Daniela Teixeira: A violência contra a mulher é principalmente doméstica. Isso nos cria uma dificuldade muito grande de enfrentamento, porque não adianta colocar a polícia na rua se a violência ocorre na intimidade dessa mulher, em casa ou onde ela trabalha. Para enfrentar a violência doméstica, não temos outro caminho, não tem fórmula mágica. Precisamos educar os nossos jovens: a mulher para não aceitar apanhar, o homem para não bater e as pessoas para denunciar. É muito importante fazer sempre campanhas de esclarecimento.
A polícia não vai nos ajudar em nada, infelizmente, com relação à violência contra a mulher.Das mortes de mulheres, 7 em cada 10 são muito fáceis de serem solucionados, porque é o ex-companheiro que comete esse homicídio. Veja que é um quadro totalmente diferente do homem. O homem é morto na violência do asfalto, na briga de bar, na violência urbana. Vamos conseguir mudar isso com a a educação e com a punição exemplar desses homens agressores.
CC: Por que a punição é importante?

DT:
 É preciso ficar claro que eles serão punidos, porque é isso que faz com o que o seu colega de trabalho, de bar, de futebol, pense duas vezes antes de agredir uma mulher. Por isso insistimos muito na punição do agressor. O agressor que não é denunciado ou punido é um exemplo para os outros homens de que eles vão conseguir sair impunes. É muito importante que seja feita a denúncia e que ele seja processado e julgado. Essa foi a grande inovação da Lei Maria da Penha.
CC: Que inovações a legislação trouxe?
DT: Antes, a gente tinha uma legislação comum que tratava de violência. Era assim: João dá um tapa em José. Um tapa é só um tapa, todo mundo vê, fala para deixar disso, não vai para a delegacia. 
Mas se João dá um tapa na mulher dele, na namorada ou na ex-namorada, a chance de isso aumentar é muito grande. Hoje é um tapa, amanhã é um murro, depois de amanhã é um soco e isso vai evoluir provavelmente para uma tentativa de homicídio. A grande evolução da Lei Maria da Penha foi tornar esse tapa não um tapa em Maria, mas um crime contra a dignidade humana, é uma violência contra o gênero mulher.
Independentemente de Maria querer ou não denunciar seu marido, o Estado passou a prosseguir com a ação penal. Estamos dizendo, com essa lei, que completou 10 anos no mês passado, que o Estado brasileiro não permite mais que as mulheres apanhem. E as nossas estatísticas são horríveis. O Brasil é o quinto país com o maior número de violência doméstica contra a mulher.
Então, realmente, é um assunto que precisa ser discutido, debatido e falado. Os maiores índice de violência contra a mulher no Brasil são no Espírito Santo, Alagoas, Piauí e Paraná. Isso mostra que as mulheres apanham muito, de norte a sul do Brasil.
CC: Além das estatísticas, estamos vivendo um momento em que inclusive políticos se sentem empoderados em falar ou incitar a violência contra a mulher. Como é possível fazer essa discussão sobre a violência dentro desse contexto?
DT: É muito difícil assumir esse papel de fazer a defesa das mulheres. Porque é exatamente isso que a gente passa: uma autoridade pública se sente confortável para, numa sessão do Parlamento que discutia o estupro e medidas de combate a violência contra a mulher, para gritar, falar palavras de baixo calão, colocar a mão na cara de uma mulher.
Aquilo é um retrato do que acontece no Brasil: pessoas ainda vivendo no século passado e achando que podem fazer esses atos de violência contra a mulher. É contra tudo isso que estamos tentando uma outra alternativa. Eu costumo sempre falar que estamos vivendo o que os historiadores já estão chamando de primavera feminina, que nós somos um exército anônimo.

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Colaboração: Carmen Costa

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- Kant "Quem não sabe o que busca,  não identifica o que acha." Colaboração: Itazir  de  Freitas