terça-feira, 20 de novembro de 2012

REFLEXÃO


Ter e ser

              A psicologia sociológica do passado recomendava a posse como forma de segurança. A felicidade era medida em razão dos haveres acumulados, e a tranquilidade se apresentava como sendo a falta de preocupação em relação ao presente como ao futuro.
              Aguardar uma velhice descansada, sem problemas financeiros, impunha-se como a grande meta a conquistar.
             A escala de valores mantinha como patamar mais elevado a fortuna endinheirada, como se a vida se restringisse a negócios, à compra e venda de coisas, de favores, de posições.
              Mesmo as religiões, preconizando a renúncia ao mundo e aos bens terrenos, reverenciavam os poderosos, os ricos, enquanto se adornavam de requintes, e seus templos se transformavam em verdadeiros bazares, palácios e museus frios, nos quais a solidariedade e o amor passavam desconhecidos.
              A felicidade se apresentava possível, desde que se pudesse comprá-la. Todos os programas traziam como impositivo prioritário o prestígio social decorrente da posse financeira ou do poder político.
              Cunhou-se o conceito irônico de que o dinheiro não dá felicidade, porém ajuda a consegui-la. Ninguém o contesta; no entanto, ele não é tudo.
              O imediatismo substituiu os valores legítimos da vida, e houve uma natural subestima pelos códigos éticos e morais, as conquistas intelectuais, as virtudes, por parecerem de somenos importância.
              Não se excogitava, então, averiguar se as pessoas poderosas e possuidoras de coisas eram realmente felizes, ou se apenas fingiam sê-lo.
              Não se indagava a respeito das reais ambições dos seres, e o quanto dariam para despojar-se de tudo, a fim de serem outrem ou fazerem o que lhes aprazia e não o que se lhes impunham.
              Embora os avanços da Psicologia profunda, na atualidade, ainda permanecem alguns bolsões de imposição para que o homem tenha, sem a preocupação do que ele seja.
              O prolongamento da idade infantil, em mecanismos escapistas da personalidade, faz que a existência permaneça como um jogo, e os bens, como as pessoas, tornem-se brinquedos nas mãos dos seus possuidores.
              Os homens, entretanto, não são marionetes de fácil manipulação. Cada indivíduo tem as suas próprias aspirações e metas, não podendo ser movido, pelo prazer insano ou com bons propósitos que sejam, por outras pessoas.
              Esses atavismos infantis não absorvidos pela idade adulta, impedindo o amadurecimento psicológico encarregado do discernimento, são, igualmente responsáveis pela insegurança que leva o indivíduo a amontoar coisas e a cuidar do ego, em detrimento da sua identidade integral. Sem que se dê conta, desumaniza-se e passa à categoria de semideus, desvelando os caprichos infantis, irresponsáveis, que se impõem, satisfazendo as frustrações.
              O amadurecimento psicológico equipa o homem de resistências contra os fatores negativos da existência, as ciladas do relacionamento social, as dificuldades do cotidiano.
              A vida, são todas as ocorrências, agradáveis ou não, que trabalham pelo progresso, em cuja correnteza todos navegam na busca do porto da realização.
              Importante, desse modo, é manter-se o equilíbrio entre ser e exteriorizar o que se é, sem conflito comportamental, eliminando os estados de tensão resultantes da insatisfação ou do comodismo, assim, realizando-se, interior e exteriormente.
              Nesta luta entre o ego artificial, arquetípico, e o eu real, eterno e evolutivo, os conteúdos ético-morais da vida têm prevalência, devendo ser incorporados à conduta que os automatiza, não mais gerando áreas psicológicas resistentes à auto-realização, e liberando-as para um estado de plenitude relativa, naturalmente, em razão da transitoriedade da existência física.
              É obvio que não fazemos a apologia da escassez ou da miséria, na busca da realização pessoal. Tampouco, propomos o desdém à posse, levando a mente a ilhas onde se homiziam o despeito e a falsa auto-suficiência.
              A posse é uma necessidade para atender objetivos próprios, que não são únicos nem exclusivos. Os recursos amoedados, o poder político ou social, são mecanismos de progresso, de satisfação, enquanto conduzidos pelo homem, qual locomotiva a movimentar os carros que lhe submetem. Quando se inverte a situação, o iminente desastre está à vista.
              Os recursos são para o homem utilizá-los, ao invés deste se lhes tornar servil, arrastado pelos famanazes dos interesses subalternos que, de auxiliares da pessoa de destaque, passam à condição de controladores das circunstâncias, aprisionando nas suas hábeis manobras aquele que parece conduzi-las...
              Não é a posse que o envilece. Ela faculta-lhe o desabrochar dos valores inatos à personalidade, e os recalques, os conflitos em predominância assomam, prevalecendo-lhe no comportamento.
              Eis aí a importância do amadurecimento psicológico do indivíduo, que lhe proporciona os meios de gerir os recursos, sem se lhes submeter aos impositivos. Quando se tem a sabedoria de administrar os valores de qualquer natureza, a benefício da vida e da coletividade, não apenas se possui, sobretudo se é livre, nunca possuído pelas enganosas engrenagens dos metais preciosos, dos títulos de negociação, dos documentos de consagração e propriedade, todos, afinal, perecíveis, que mudam de mão, que são fáceis de perder-se, destruir-se, queimar-se...
              A integridade e a segurança defluem do que se é, jamais do que se tem.



DIVALDO PEREIRA FRANCO  - O HOMEM INTEGRAL, Editora Leal, pg. 99.

Colaboração: Wilson Mattos
                        Rc Juazeiro

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- Kant "Quem não sabe o que busca,  não identifica o que acha." Colaboração: Itazir  de  Freitas